Sobre a disciplina

Estes dois últimos anos de “aposentadoria” tem sido um tipo de transição de uma vida profissional agitada para um isolamento quase que total de tudo e de todos. Poucas pessoas entraram na minha bolha e poucas coisas me motivaram pra sair dela. Tem sido um período de descanso e descompressão e também de muita reflexão sobre o tema central deste novo período da minha vida (que parece ser o último e mais longo): o que vem agora e quanto tempo ainda tenho?

Tenho certeza que eu não sou o único a ter essas questões, mas para mim, nesse momento, tem sido centrais. E estou me organizando em torno das possíveis alternativas de resposta. Nas postagens anteriores já deixei claro que fazer arte é pra mim a única saída viável. Qualquer outra coisa não faz mais sentido. E eu falo isso com um misto de frustração e de esperança – na falta de palavras melhores agora. A frustração vem das expectativas profissionais não realizadas, não tanto do ponto de vista pessoal, como dinheiro e oportunidades de trabalho; isso nunca me faltou. Mas sim da percepção de que tudo aquilo que fiz e construí ou foi vendido para os chineses ou ninguém notou. Todos os planos, programas etc. mofam hoje em prateleiras em algum departamento obscuro e inútil. Valeu a experiência mas, realisticamente, foi inócuo.

A parte boa é a esperança. Esta minha dedicação consciente e explícita com a fotografia e as aquarelas está indicando um caminho mais consistente com aquilo que eu sou. E talvez seja isso mesmo – a arte é uma expressão muito íntima e individual. Exige a sua presença pessoal cada vez mais constante, profunda e cotidiana. Não existe delegação e não tem tempo para procrastinação. A produção artística é diária e exige dedicação e (lá vem…) disciplina!

O grande flautista Jean Pierre Rampal (falecido em 2000) dizia que ele tinha que praticar todo dia, todos os dias. Se por alguma razão falhasse um dia ele já sentia a diferença. Se ele falhasse dois dias sua mulher percebia a diferença.  Eu também sinto isso. É notável a diferença que faz uma prática artística constante e cotidiana  e aquela que chamamos de “hobby”. Muda tudo, inclusive (e principalmente) a percepção de si próprio.

Mas o diabo é desenvolver essa disciplina. Como em tudo, o demônio da preguiça, da procrastinação, da falta de foco, faz com que outras coisas ocupem a minha mente. Mas sigo tentando. E postar neste blog com alguma constânca, mesmo que de forma imprevisível, tem me ajudado a entrar nessa linha.

E daqui a pouco vem algo sobre o meu processo (3)

RR

Em algum lugar no Deserto do Atacama, Chile (Janeiro 2024)

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